sexta-feira, 9 de março de 2018

Mensagem+Imagens do dia.

Em 26 de Outubro de 1969, à 2ª Companhia de
Pára-quedistas do BCP/31, foi atribuída a missão de capturar e apresar o Régulo de Mocímboa do Rovuma.
A área de actuação era muito povoada e por estar próximo da base de Nacala o trabalho da guerrilha demasiado activo. O inimigo dispunha de um sistema de vigilância perto do perfeito. Até aquela data todas as tentativas de aproximação da Tropa Portuguesa, tinham saído infrutíferas.

Esta Operação teria que ser diferente. Os Pára-quedistas tinham de passar pelo IN sem serem vistos. A pensar como ele, usaram disfarce suficiente para contornar e confundir os vigias. A deslocação silenciosa aprendida, ensaiada e treinada vezes sem conta por todos os Pára-quedistas havia de ter sucesso. O Regimento de Caçadores Pára-quedistas, formador de Militares de vanguarda, ensinou, mentalizou e preparou os seus Guerreiros a esconderem-se na calada da noite, serem furtivos de dia, vencer apreensões, nunca hesitar perante o perigo, e serem implacáveis perante o inimigo.

O Capitão Eduardo Passarinho Franco Preto, comandante da 2ª Companhia do BCP-31, tinha que invadir com 129 Guerreiros aquele reduto sem que os vigias se apercebessem. Para a tarefa obter sucesso, fez a entrada pelo lado de Negomano em direcção à picada de Mueda. Era sem dúvida o caminho mais longo, mas seria o menos vigiado e menos provável para aceder à região.
A missão um pouco estranha definia a procura e captura do régulo do Rovuma. Sabia-se que habitava naquela zona, mas não havia informação que permitisse o seu aprisionamento. Esta missão só por sorte teria sucesso. Connosco estava um Cipaio (milícia do Administrador/Chefe de Posto) que em tempos privou com aquele chefe de tabanca. Este Chefe pessoa muito influente e querida da população, politizado e mobilizado pela FRELIMO teve astúcia para reunir os seus súbditos e talento suficiente para convencê-los a aderir à causa. Persuadiu a sua gente a abandonar a aldeia, o pouco conforto, deixar para trás os parcos haveres, segui-lo e viver na mata, trabalhar a machamba e produzir comida para os guerrilheiros.

A saída de Mocímboa do Rovuma em coluna auto, pelas 04H30 do dia 26 de Outubro de 1969, infiltrava-nos 35 Km na direção da Tanzânia. O soberbo Rio Rovuma de águas quentes, profundas, correntes e cristalinas, a brilhar de majestoso, abraçava-nos naquela manhã bem iluminada abafada e húmida, onde o pó escuro manchava o verde do capim queimado (napalm).
No local previsto os Pára-quedistas deixaram as viaturas em movimento. Embrenharam-se em floresta aberta povoada por árvores raras, as muito procuradas 'exóticas' de pau-preto, Umbila e Jambir. Esta madeira pouco abundante, muito valiosa, de excelente qualidade é muito utilizada na manufatura de artesanato e fabrico de mobília. A mata aberta com boa visibilidade acrescentava velocidade de progressão e aumentava a segurança à NT. Os Combatentes escondidos na sombra de árvores a crescer em direção ao sol apontavam a levante para desaparecer e deixar no capim tombado a marca de um trilho recente.

As rações e água para 04 dias, puxavam para um nível inferior as costas dos jovens Boinas Verdes. O sol cintilante brotado de latitude, próxima do equador, local encaixado no paralelo 08º Sul, dispersava vapores aquosos em chão molhado e quente. O brilho no húmido (neblina junto ao solo) focado por bola de fogo encaixava o esplendor do dia no negro da noite, sem passar pela penumbra (escurece com o pôr do sol).

= CAPTURA - DE - PRISIONEIROS =
Este tipo de missão requeria mais informação e só algum residente poderia dar respostas às nossas dúvidas. Era imperioso e perentório a captura de elementos da população.
Pelas 06H30 do dia “D”, com a manhã mais fresca, os
Pára-quedistas escondidos no capim e sem luz solar, (camada de névoa formada por evaporação com a subida do sol) com a Tanzânia à direita, seguiram o rumo 240º.
Pelas 17H00, completamente disfarçados na escuridão os Guerreiros tomaram o eixo de progressão de Negomano e, deste modo despistar observadores da Base de Nacala.
Ainda imberbes, Rapazes feitos máquinas de Guerra em deslocação silenciosa, rasgavam a sangue aquele malvado capim afiado e resistente, em noite sem luar.
A velocidade de marcha em carta e a corta-mato, rondava 03,5 Km/h. Estes Homens buscavam referências distantes em azimute alinhado com a visível iluminação da vila de Negomano. Demasiado afastada dispunham de 12 horas para, naquela noite, percorrerem 40 Km.
As mudanças na testa da coluna ocorriam como planeado, respeitando a ordem de rotação.

O 3º Grupo comandado pelo ALF/Taborda (meu) de madrugada substituiu o 2º comandado pelo ALF/Gaspar. Com a 1ª Seção na frente (FUR/Gonçalo), abandonou-se o anterior eixo de progressão. Para ocultar 129 jovens Combatentes na orla da mata, passou-se ao rumo 180º.
No interior do bosque fora das vistas inimigas, retomou-se o azimute 240º em direção a Negomano.
Até ao presente momento os Pára-quedistas mostraram arte a contornar obstáculos e evitar o inimigo. Orgulhosos em passar despercebidos a observadores e incólumes ao fogo das patrulhas, conseguiram chegar mais próximo do objectivo.

Em D+1 continuou na frente o 3º Grupo. Os combatentes escondidos pela floresta, seguiam paralelos à fronteira Norte. A progressão muito silenciosa mantinha a concentração dos homens em armas e a exposição a clareiras não era permitida.
O desgaste provocado à NT por longas marchas e muitas horas sem dormir, em ambiente adverso carregado de humidade e de temperaturas abrasivas (microclima próximo de equatorial, húmido) não se reflectia na resistência física, nem beliscava o moral da tropa. A vontade de cumprir a missão era o principal objectivo.
Os Guerreiros sempre atentos mantiveram o rumo por mais 05H00. A distância de 60 Km a rasgar capim e furar arbustos, levar-nos-ia ao Senhor Régulo do Rovuma? Um acerto para azimute 120º, desviava a NT da atenção dos vigias IN de Negomano. Começamos por abandonar a planura do Rovuma e entrar em terreno acidentado. Estes acidentes orográficos, propícios à atcividade da guerrilha, escondiam nas faldas da mata forças ignotas. A fim de recuperar energias e prosseguir a marcha noite dentro, ocupou-se uma crista militar. Por este meio obteve-se o domínio do terreno. Montado o perímetro de segurança houve um descanso de 03H00.
O relevo demasiado acidentado em encostas muito tombadas e vales profundos atrasava a progressão e aumentava o desgaste psicofísico.
Pelas 03H00 de D+2, fez-se uma paragem para descanso até às 04H30. A partir desse momento o 1º Grupo «TEN/Maximino Cardoso Chaves» passou para a testa da coluna, seguido pelo 4º, depois o 2º e em último progredia o 3º Grupo. O inimigo desconhecia a nossa presença. Sendo forçoso passar despercebido durante o máximo tempo possível, começamos a procurar nas muitas e bem tratadas machambas trabalhadores que após capturados nos fornecessem informação sobre o paradeiro do Senhor Régulo.
Retomada a marcha os nossos militares sempre atentos e sorridentes cumpriam com zelo mais uma missão de grande esforço físico. Estes jovens sem qualquer queixume, sob temperaturas altas e humidade excessiva, carregavam vestido desde o primeiro dia um camuflado encharcado em suor.
Pelas 14H30 o 1º Grupo de Combate (Furriel Geraldes) na testa da coluna, bem protegido das vistas do IN
aproximou-se de uma machamba (terreno agrícola).
A propriedade rica em recursos, devidamente alinhada com a linha do sol, ladeada a Sul por vastas elevações, encaixada no sopé de uma montanha a Este, sofria o efeito devastador de erosões provocadas pelas monções. Bem tratada, com abundância em água, a produzir milho, mandioca, amendoim (macarra), tabaco, melancia, pepino, papaia e batata-doce, era uma propriedade digna de ser apontada como exemplo de bom gosto (modelo).
Perante a descoberta em silêncio absoluto, fizeram um alto. Com os binóculos, o TEN/Cardoso Chaves, coadjuvado pelos, ALF/Corte Real Mendes, FURRIÉIS/Geraldes; Carrilho Vaz; Eurico Penas Paulo; Rosa Ramos reconheceram e exploraram o local. Detectaram nas tarefas rurais 04 mulheres ocupadas com as colheitas.
Por ser uma Zona exposta, decidiram montar um dispositivo em semicírculo, capaz de garantir sucesso na captura das Senhoras e evitar surpresas do inimigo. Estas prisioneiras...caídas do Céu e encontradas na terra...uma vez capturadas e em interrogatório sumário preencheriam a falta de informação sobre o Soba.
Num passa-palavra, chegou ao final da coluna para a Seção do Furriel Feijão chegar à frente. O Alferes Taborda Comandante do 3º Grupo estranhou a ordem e preparou o movimento de todo o Pelotão. Pelo E/R TR766, foi informado para enviar apenas a Seção indicada.

= O S - E S C O L H I D O S =
Percorridos mil e alguns metros, recebi do TEN/Maximino Cardoso Chaves ordens para capturar sem ruído as inimigas que estavam no local indicado (o amigo Constantino Geraldes, participante no planeamento do Golpe de mão, talvez nos queira informar porque razão foi a acção atribuída à minha secção).
Trouxe à memória do Senhor Tenente que poderíamos estar a enfrentar o chamariz a uma emboscada, muito usada na táctica Chinesa, bem nossa conhecida.
O TEN/Chaves informou-me que face a essa possibilidade, iria dispor em posição de combate, frente à clareira o 1º e 4º Grupos.
Caso houvesse troca de tiros, com a minha secção entre o fogo, nós deveríamos mergulhar no riacho.
Reuni a Seção e indiquei a missão aos meus dois Chefes de equipa 1ºCabo Tchombê e 1º Cabo Almeida na presença de toda a seção.
Tal como estudado e aprendido nos manuais e aplicado em treinos, lembrei aos meus jovens amigos que queria ver uma equipa a progredir e a outra pronta a apoiar pelo fogo.
Respondendo às perguntas aprendidas durante a Instrucção individual do Combatente, muito usado e treinado em Golpes de Mão e Assaltos durante o Curso de Combate por todos os Paraquedistas (Onde Vou; Por Onde Vou; Quando Vou e Como Vou), seguido pelos meus 08 sorridentes Jovens, utilizamos um fosso de drenagem enterrado 1,80m abaixo da cota em terreno alagado.
A água muito límpida e ruidosa corria e entrava num profundo riacho. A correr para jusante, molhava acima dos joelhos quantos nela entrassem. A cerca de 300 metros abandonamos a custo a protecção (muito alta) e progrediu-se para Oeste em linha.
Escondidos entre as plantas de mandioca, cada equipa (instalada) apoiava a manobra da outra. Mais próximo das macondes, o movimento de aproximação passou para um Pára-quedista em deslocação por Equipa. Só dois Homens se movimentavam. Por não haver qualquer ameaça visível, não foi usada cobertura de fogo.
As senhoras curvadas sobre as catanas limpavam as ervas daninhas e, com o rumorejar da água não se aperceberam de que em breve estariam a caminho de Mocímboa do Rovuma.
Pelo movimento ordenadamente controlado apenas 02 Homens se deslocavam na direcção do inimigo.
Os guerreiros prontos a agarrar, aguardaram a colocação do dispositivo de segurança e, em sincronia os 04 elementos calaram as jovens meninas que, sem imporem resistência seguiram as instrucções do dedo sobre os lábios (silêncio). As senhoras a necessitarem de férias pareciam aguardar por aquele momento (eram esposas do Senhor Maconde).
Como estávamos em campo aberto e muito expostos, enquanto 02 Páras tomavam conta das prisioneiras, os restantes mantinham o dispositivo de segurança.
As senhoras tomaram a dianteira e aceleravam a cadência. Sem qualquer indicação deslocaram-se para Oeste.
Desconfiados com a rota escolhida pelas macondes, reforçamos a atenção e segurança sobre o meio envolvente. O então Furriel José Louro Carrilho Vaz, de binóculos na mão relatou a perfeição da progressão em direção ao IN. Segundo ele, esta aproximação merecia registo de filme e teria dado um excelente plastron para uso na instrucção de combate.
O dispositivo de segurança usado na progressão, a calma e concentração de execução, o silêncio na aproximação e detenção dos alvos, permitiu surpreender os machambeiros.
Um pouco mais à frente um kokuana trabalhava a terra (as senhoras levaram-nos a ele). De imediato instalámos o pessoal em posição de defesa e, reservei para mim a captura fácil…do velho…
Silencioso como o leopardo, concentrado na aproximação deslizava entre o caule das mandioqueiras, fazendo passar a deformada mochila agarrada a um corpo subnutrido por conservas de qualidade inferior. De olhar fixo no alvo, aos poucos aproximava-me pelas costas do inimigo. Aquele de catana na mão e na posição de cócaras limpava a macarra de plantas daninhas e capim. Aquela vegetação aquecida pelo brilho do sol Tropical crescia desordenadamente na abundância de um solo muito fértil.
Esta machamba seria igual ao tamanho de 20 ou mais campos de futebol, dispunha de boa terra arável, diversos nascentes de água e dispositivos avançados de rega, represa de tipo castor (construída por estacas e ramos), cegonha e corda presa a balde. Foi o melhor terreno de cultivo visto em plena mata.
Pronto a deitar a mão ao prisioneiro, e não querendo denunciar ao inimigo “armado” a nossa presença,
toquei-lhe ao de leve no ombro. O Maconde içou as tatuagens do rosto e afastou-se por meio de um salto. Para surpresa minha elevou à vertical a catana e apontada ao solo tentou atingir-me a cabeça. A cicatriz deixada no Sargento A. Candeias por um objecto idêntico em Angola entrou-me na memória.
Com a arma na horizontal e os braços esticados, segurei o golpe. De imediato deixei cair com toda a força disponível o fuste da minha AR-10 (armalite) na zona dos rins do adversário. Ele cambaleou e largou a longa faca.
Levantou-se de imediato e correu em direcção a uma árvore de grande porte. Toquei-lhe de forma subtil em um dos pés e o homem aterrou com a cabeça junto à “Pterocarpus angolensis” umbila.
Os meus protectores devidamente instalados riam-se...protegidos no relevo do terreno, achavam graça à luta entre um europeu de 22 anos e um Africano 'muito velho' de 46
(média de vida 42 anos) e,  continuavam a sorrir. Enquanto o homem permanecia no chão, limpei ao seu corpo, o barro agarrado às botas com força suficiente para terminar a luta. Mas o inimigo não cedeu. Muito ágil e valente para a idade rolou e, agarrou a arma que estava encostada do lado Oeste da árvore (uma carabina de caça ao elefante, devidamente municiada). Aí larguei a mochila e saltei sobre o paisano. A luta levou-nos à orla da mata. Terminou quando os Homens da bota Alta, mesmo à nossa frente se levantaram (1ºGrupo).
Ao fixar-se nas botas dos militares muito sorridentes pelo espectáculo gratuito, o paisano reconheceu o inimigo mais temível daquela gente. A tremer, num gesto inesperado agarrou-me a mão com força e teimava em não largar. O Cipaio traduziu que pedia perdão! Foi-lhe dito pelo Comandante da NT que não lhe faríamos mal. Aí voltei a recuperar a minha mão!

= A - R E V E L A Ç Ã O =
Em interrogatório sumário, o Cipaio de dentes afiados a lima, sorridente, não traduziu a palavra Kakalumba, apenas disse que aquele Kokuana outrora muito poderoso, era o Régulo do Rovuma.
O homem que deteve o destino de centenas de milhares de pessoas, em 1963 pôs-se ao serviço da FRELIMO com toda aquela gente disposta a trabalhar as machambas para alimentar a guerrilha. Foi descartado e abandonado pelos chefes, destituído de funções e passou a ser agricultor da FRELIMO. Com algum estatuto na sociedade e poder económico, era-lhe permitido comprar e dispor de várias mulheres (a poligamia é aceite). Em Moçambique Portugal manteve e respeitou a hierarquia na sociedade indígena durante 500 anos

= A - D E S L O C A Ç Ã O =
O inimigo ainda não tinha dado pela nossa presença. Retomada a marcha os homens da testa da coluna (1º Pelotão) detectaram a cerca de 400 metros um destacamento IN.
Foram vistos e observados, através de binóculos, vários guerrilheiros armados de AK-47, que muito alegres, em ambiente quase festivo, cortejavam umas marruças.
O Capitão Preto mandou chamar o Furriel Francisco Inácio (comandava a 3ª secção do 3º pelotão), armado de carabina, equipada com silenciador e de mira telescopia, para abater os guerrilheiros.
Como um Chefe Pára-quedista nunca manda fazer algo que não consiga fazer, o Capitão Eduardo Franco Preto, sempre calmo e seguro, veterano de combates travados com Balantas e Bijagós enterrado nas Bolanhas dos rios Cacheu, Geba e Corubal, passou pela famosa bolanha de Gabu e mata do Cantanhez, perguntou se o FURM/Inácio, estava preparado a limpar o caminho para a Companhia passar, em segurança?
O Inácio preparado e treinado no nosso RCP de onde toda a produção saía sem defeito, nem respondeu, encaixou algumas figuras no rectângulo e sucessivamente pressionava o gatilho. A queda abrupta sem qualquer aviso ou ai surpreendeu os guerrilheiros e levou, os restantes a protegeram-se no interior da mata, possivelmente rumaram à base Nacala.

= O - C ON F R O N T O=
A nossa Tropa progredia na orla Oeste da mata, deixando a grande machamba do lado esquerdo. Mais à frente perpendicular ao eixo de progressão, uma linha de água dividia em duas a grande propriedade rústica. Aquele ribeiro escavado abruptamente 04 metros abaixo da cota, pela violência de água trazida pelas monções, despejada ravina abaixo, dificultava a transposição.
Montada a segurança escolheu-se um ponto mais acessível à morosa travessia. Os 1º e 4º Grupos tomaram e ocuparam a encosta Nordeste e, assumiram o controlo do terreno.
O 2º Pelotão saído do vale tomava o posto de vigia, onde foram abatidos 05 guerrilheiros.
O 3º Grupo (meu) com metade dos militares em cada lado do obstáculo teve um combate frontal com uma força inimiga surgida dentro da ribeira.
Enquanto um Bigrupo IN atacava a nossa posição, outro grupo também numeroso, travava um combate feroz com as Forças dos Grupos mais adiantados.
O ataque observado e fiscalizado por militares chineses, foi executado com violência e controlado por um apito.
Os primeiros elementos IN a tentar chegar à nossa posição foram tracejados pela nossa segurança. Os guerrilheiros da vanguarda tombaram. Os restantes tentaram envolver-nos pelo nosso flanco direito. A nossa violenta e rápida resposta, obrigou-os a desistir e debandar.
Como tínhamos cerca de metade do Grupo a transpor o pequeno rio e os restantes na margem oposta a dar proteção, os Pára-quedistas da segurança em ponto dominante do terreno interceptaram, surpreenderam e abonaram o Bigrupo inimigo dentro da linha de água.
Baralhados, surpreendidos e muito confusos por perderem em nosso favor o domínio do terreno, procuraram refúgio na profunda linha de água.
Na difícil tentativa de saírem daquele obstáculo natural, foram apanhados na armadilha e receberam o fogo cruzado das 2ª e 3ª seções do Grupo do Alferes Taborda.
Em posição defensiva com o 1º Cabo Tchombê, escondidos por uma máscara, aguardávamos com paciência mais adversários.
O meu instinto de conservação ordenou-me a mudar de lugar e, buscar atrás de uma árvore centenária, bem próxima de nós, a protecção desejada.
Chegados à nova instalação, vimos os anteriores arbustos serem literalmente cortados por rajadas de metralhadoras, vindas de dentro da linha de água.
Protegidos lançamos duas granadas defensivas cujos puum, calaram para sempre aquelas incómodas e perigosas armas.
Os nossos temerários Pára-quedistas, sem sinais de fadiga a lutar como feras encurraladas, nunca voltaram a cara à luta.
Foi um privilégio estar ao lado de gente tão ousada, ser queimado por alguns invólucros, ter estado activo no combate e feliz por não haver pedido de enfermeiro ou evacuação.
O Furriel Miliciano Francisco Inácio durante o batismo de fogo tremeu e segundo ele, sem a sua AR-10, ARMALITE, não voltaria a pisar Terra Maconde.

= A - S A N Z A L A - (A L D E I A) =
Terminada a peleja o encontro do escuro com o relógio ocorreu pelas 16H35. O Veterano Capitão Preto, Militar muito seguro e experiente Comandante da 2ª CCP despistou o inimigo com algumas manobras evasivas (perigoso trazer o inimigo atrás em deslocação nocturna).
Durante a pausa o Oficial nº 1 para interrogatório sumário, chamou o Cipaio à presença do Kokuana guerreiro. O militar da Administração, fixou de novo os olhos no prisioneiro e sem qualquer razão aparente começou a conversar e sorrir…sem parar de recordar tempos antigos confirmou que, o kokuana à nossa frente era o Régulo do Rovuma (como foi possível?).
Com a captura daquela figura insignificante considerou-se concluída a nossa principal missão.
Naquele interrogatório o Grande Chefe de Sanzala informou existir muita população a Noroeste em aldeamento que outrora lhe pertenceu. Ficaram muitas dúvidas se o ruído dos combates travados nessa tarde teriam sido ouvidos e provocado a debanda de toda aquela gente.
Umas cinco horas (pelas 23H00) depois não muito longe da nossa posição, uns galos denunciaram a presença humana. Após um alto para descanso, o Staff do Capitão Preto preparou o reconhecimento e assalto à Sanzala.
Pondo em prática a doutrina aprendida no RCP, (nossa Zona do Interior) a aproximação ao objectivo seria efectuada durante a noite e o assalto decorreria de madrugada.
Pelas 03H00 foi encontrada escondida na falda de uma escarpa uma Big-Sanzala, protegida das vistas aéreas por árvores leguminosas tipo acácia. Os flancos Este e Oeste estavam guardados pelos avançados da própria escarpa. Do quadrante Norte árvores de grande porte escondiam as cabanas e condicionavam o acesso ao lugarejo. Na escolha privilegiada do local e na construção daquela aldeia nada foi deixado ao acaso.
O ruído gerado durante o confronto, naquela cálida tarde, não chegou aquelas bandas. Durante um curto reconhecimento, concluiu-se que toda a população dormia o sono dos justos

= D I S T R I B U I Ç Ã O - D E -- F O Ç A S - E -- A S S A L T O – À -- S A N Z A L A =
O 1º Grupo reforçado por uma Secção de cada um dos restantes Grupos de Combate lançava o assalto ao objetivo.
Os 2º e 4º montaram o cerco à aldeia nos limites das escarpas Oeste e Este, respectivamente.
O 3º Pelotão dava protecção a Sul ocupando a crista dominante do terreno e, impedia o inimigo de entrar ou colocar reforços na área.
O rabujar de crianças e o respirar com ruídos muito fortes de outros, confirmava o repouso de toda a aldeia.

A distribuição das Forças terminou com um cerco total às cabanas. Os Boinas Verdes interrogavam-se sobre qual seria o número exacto de elementos armados dentro das palhotas?
Os Pára-quedistas nas posições aguardavam pacientes a madrugada e o desenlace final da acção. Os últimos minutos de espera aumentavam a tensão e criavam muita ansiedade.
Os Combatentes conscientes da gravidade da situação acariciavam a sua G-3. Era nela e nos camaradas a quem a vida era confiada. Parecendo distraídos estes jovens de olhar vago, perscrutavam no silêncio da noite todo e qualquer movimento estranho. Sem produzir qualquer ruído ou som, rodavam para a letra “F”o comutador de tiro.
A possibilidade de o inimigo abrir fogo durante o assalto, impreterivelmente originaria uma carnificina na população. Seriam poucos os paisanos a sair com vida. Todos os Militares sabiam que bastaria um disparo para o chão barrento e molhado receber sem vida toda aquela gente.
O 1º Grupo a aguardar ordem de ataque dispôs para o assalto duas seções em linha e 02 HK-21.
Este Grupo reforçado por três Secções, uma do 2º, a minha do 3º e, outra do 4º, posicionadas mais à retaguarda, tinham por missão apoiar o ataque. Prestariam assistência a todos os feridos. Se a Força empenhada no assalto sofresse baixas, esta Reserva tinha por missão passar os rebeldes a cinza, rebentar com tudo, proceder ao aniquilamento e à destruição total das forças hostis.
A 2ª Seção do 3º Grupo (minha) não seria utilizada no assalto, apenas apoiaria o ataque e entraria na destruição “se houvesse resistência inimiga”. Era empenhada na protecção à retaguarda e impedia o IN de se aproximar pelo flanco norte (nossa posição). Dava cobertura ao Grupo de assalto. A missão desta secção (minha) ficaria concluída com a recolha, controlo e registo de todo o pessoal empenhado no ataque (possíveis feridos /desaparecidos).

Pelas 04H00, os Pára-quedistas ocupavam as respectivas posições e o cerco à Sanzala estava completo. O objectivo seria tomado pela chegada da aurora (romper do dia) em ataque frontal. Nesse dia D+3 pelas 04H20, um pouco antes do sol aparecer, o TEN/PARAQ Maximino Cardoso Chaves comandante do Grupo de assalto, com as Secções distribuídas no terreno, devidamente Lideradas pelos FUR/Constantino Proença Geraldes, FUR/António Vicente Rosa Ramos e FUR/António Costa Ramos, em gritos de Guerra e arrebate de Tufão, lançaram os impetuosos Homens no ataque e causaram muito pânico na Sanzala. Para não magoar ou ferir qualquer elemento da população, não dispararam um único tiro (disciplina de fogo).
Estes Intrépidos Combatentes em poucos segundos tomaram e assumiram o controlo da Sanzala. Mantendo a surpresa instalaram-se e controlaram os movimentos do IN.
As Secções dos FUR/José Louro Carrilho Vaz e António Catarino procederem de imediato à limpeza e revista palhota a palhota.
Como as forças do assalto não sofreram impedimento, a 2ª secção/3ºPelotão, manteve-se na recolha e controlo do Grupo de Assalto. A destruição das palhotas ocorreu após retirada para zona segura dos animais domésticos (galinhas, porcos e cabras).
Quase 03 centenas de mulheres e crianças foram feitos prisioneiros e retiradas do local. Não havia homens. Os rapazes e homens integravam as fileiras da FRELIMO, alguns na base Nacala, bem próximo dali.

Naquela Sanzala estava instado um sistema de conservação de carne e peixe à base de secagem pelo sol. Sobre os estrados de secagem havia grande quantidade de frangos e galinhas secos, outros em fase final de cura. Em compartimento próximo grande quantidade de provisões aguardava distribuição. Muitos Pára-quedistas reabasteceram as mochilas para alimentar os recém-capturados civis inimigos e para própria sobrevivência.
Perante este êxito da missão, o Comandante da Operação mandou a Força continuar na Zona e explorar o sucesso.
Estes senhores nunca terão lido Mao Tsé Tung, nem recebido formação no Regimento de Caçadores Para-quedistas” Contra Guerrilha” (ao ser detetado, muda-se de zona).
Na coluna de marcha à excepção das duas secções da frente, cada Pára-quedista tomou à sua responsabilidade 03 paisanos. Os Guerreiros deixaram de alimentar-se e distribuíram pelas bocas esfomeadas dos prisioneiros, o seu pitéu de sardinhas em conserva.
Claro que o Comandante da operação (oficial do Exército) esqueceu-se como sempre do apoio logístico.
Em Angola e na Guiné a Força-Aérea com os Pára-quedistas estava autorizada a planear e executar Operações Ofensivas contra o IN, como Moçambique estava encostado ao Índico a permissão nunca conseguiu passar o Cabo das Tormentas. De um elemento da minha Secção recebi um frango seco que teimei em guardar até ficar sem forças. Foi ingerido em D+4, após 02 dias de jejum. Quando a fome é negra fica tudo delicioso, a repulsa (falta de higiene) já não incomoda mesungo. Torna-se imperativo que o corpo, em grande desgaste físico, dê vida à mochila.
Aquele aldeamento bem protegido de vistas aéreas e terrestres, dispunha a Sul de um bom posto de Vigia e Observação. Dispunha de acesso directo pelo interior da Sanzala através de escadas escavadas na rocha. O 3º Pelotão desceu-as ao abandonar a posição. Três (03) nascentes de água potável a sair em jorro satisfaziam as necessidades básicas de toda a população. Estava equipado por um sistema de conservação de alimentos pelos métodos de fumeiro e de secagem pelo sol. As latrinas em número suficiente foram abertas e afastadas dos cursos de água. As valas e fossas devidamente protegidas estavam em locais afastados das palhotas. Havia represas para lavagem de roupa. Dispunha de banheiros, mesas e bancos construídos por estacas. As cabanas estavam organizadas em quadrados, com arruamentos retilíneos, obedecendo e respeitando rigorosos critérios de engenharia. Os animais permaneciam em currais afastados das habitações. Perante a possibilidade de um ataque foram construídos abrigos em número suficiente para os residentes. Em 07 anos de Moçambique nunca vi nada tão bem organizado.

= O - R E G R E S S O – E M – E M – D+5 =
Os chefes das aldeias ao receberem o alerta de Tropa na Zona meteram as populações na mata e esconderam-se. Estava escrito, bastava seguir os manuscritos. Dois dias após o previsto fomos mandados regressar. A partir daquele momento o 2º Grupo, seção do Furriel Matos Pedro encabeçava a coluna, seguido do 3º, 4º e a cerrar a progressão o 1ºPelotão.
O sol com todo o seu fulgor incidia sobre os combatentes e prisioneiros. Roubava aos seus corpos reservas importantes de líquidos. Aquelas substâncias eram necessárias para o organismo suportar a dura caminhada até ao ponto de recuperação, Mocímboa do Rovuma (alguns camaradas hidrataram-se com soro furtado da bolsa do enfermeiro. A água era repartida pelos prisioneiros).
Os Combatentes não conseguiam repor os líquidos perdidos. O camuflado que dias antes demarcava ilhas manchadas a branco (sal/cloreto de sódio), passou a marcar um continente. A consistência e fricção ofereceu aos combatentes um andar… de perna aberta, depilação aos membros inferiores e, sem custos adicionais trouxeram a doença de fungos "micoses."
As crianças habituadas a grandes caminhadas, umas horas depois passaram a necessitar de ajuda. As mais pequenas viajavam nas costas dos Pára-quedistas. Esta carga após 06 dias de missão com dois deles sem conservas debilitou muito os jovens Guerreiros, que para além de enfrentar o IN, passaram a ser cavalos. Estavam redondamente enganados os que pensaram que o inimigo respeitaria a vida dos seus familiares e não atacaria a NT.
Na deslocação os locais suspeitos, propícios a emboscadas, eram criteriosamente reconhecidos pelas Seções do 3º Grupo. Em locais duvidosos protegiam os flancos da coluna de marcha.

= O - A T A Q U E =
Pelas 10H15 de 31 de Outubro de 1969, a fim de serem recuperadas, as nossas Forças com os flancos bem protegidos pelas Secções do 3º Grupo seguiam ao encontro da coluna militar.
O inimigo incapaz de detectar a aproximação da Tropa
Pára-quedista, insensato e com total desprezo pela vida de pessoas que o serviram sem qualquer retorno, descarregou com total desfaçatez sobre produtores de alimentos indefesos armas de 'ódio', tipo AK-47, PPSH, e metralhadoras pesadas DEGT. Despejou laivos de raiva em grande quantidade de granadas de RPG-7. O ataque com vários RPGs-7 colocou debaixo de fogo todos os Grupos de combate, com maior incidência na retaguarda da Companhia.
Posteriormente, protegeu a própria retirada com fogo de morteiro 82mm. Os RPGs-7 disparados contra árvores semeavam fragmentos de aço em chão húmido sobre corpos quentes. Tal acção provocou fragmentos nas costas de 01
Pára-quedista e ferimentos graves em duas senhoras e uma criança. Todos os feridos foram evacuados via aérea (heli) para o Hospital de Mueda. A resposta violenta dada pelo 1º Grupo cuja retaguarda foi castigada diretamente, fez o IN recuar e abandonar despojos no terreno.
Os Pára-quedistas desejosos de aliviar o peso dos 12 carregadores, selecionavam o alvo, tiravam a folga e premiam o gatilho das AR-10, HK-21, apontavam e disparavam rockets de 37mm. É digno de realce a competência e perícia dos nossos apontadores dos 04 morteiros 60mm, pela eficácia nas distâncias curtas. Limparam das posições a força atacante, que surpreendida com a reacção respondeu com gritos de dor.
O ruído das explosões deixava marcas de terror naquelas pobres crianças. Aquelas vítimas demasiado pequenas e assustadas, em pranto escondiam as pequenas cabeças com as mãos. Buscavam proteção colando-se às mães e aos militares.
A acção inimiga foi concentrada do lado direito do eixo de progressão e na retaguarda da coluna. Fizeram vários disparos de RPGs-7, com granadas (antipessoal) disparadas contra árvores de trás para a frente, atingiam a testa da coluna. Toda a companhia ficou debaixo de fogo.
O vôo daquelas granadas sobre a cabeça dos combatentes e a chuva de estilhaços vindos de árvores, obrigou o Capitão Preto Comandante da 2ªCCP Oficial experiente, veterano das bolanhas e de batalhas com Balantas e Bijagós, a alterar o dispositivo no terreno e, executar manobras com todos os grupos 100 metros para a direita do trilho. As armas inimigas continuaram a provocar danos nas árvores, nós assistíamos ao ódio do adversário e poupávamos munições.

= C O N C L U S Õ E S =
Pode concluir-se que a escolha da zona dos aldeamentos obedeceu a um rigoroso critério de selecção. As machambas junto a cursos de água em quantidade e de qualidade única permitia durante todo o ano a produção de grande variedade de alimentos de regadio, necessários ao consumo diário dos guerrilheiros. As Farmes ricas em solos húmidos e quentes produziam prácticamente todo o sustento para a guerrilha. Em termos de doutrina aprende-se que a guerrilha é o 'peixe', quem alimenta é 'água', se o peixe fora da água não sobrevive, em termos militares, poder-se-á questionar? Qual dos dois elementos será mais importante?
O guerrilheiro porque faz uso da arma?
O machambeiro que alimenta quem vai usar essa arma?
Este estranho ataque a pessoas que durante uma década trabalharam as machambas para alimentar aqueles desgraciosos insurretos, mostra que a partir do momento que se perde esse controlo, a vida desses aliados desgraçados deixa de ter significado. Terão considerado que durante o ataque os prisioneiros procurariam a fuga? Ou, simplesmente que os fins justificam os meios?
Grande gesto de humanidade e cidadania do Comandante da NT, Capitão Preto ao evacuar por via aérea as duas Senhoras e uma criança feridas pelas armas da guerrilha. Ao longo dos anos foram vários os inimigos feridos, assistidos pela NT e retirados da frente de combate às costas ou em maca por
Pára-quedistas para a zona de evacuação.
A esses seres humanos os nossos enfermeiros prestaram assistência no local, até serem resgatados por via aérea, para os hospitais Portugueses, onde permaneciam até estarem recuperados.
Muitas foram as vezes em que os insurretos atacaram as nossas Tropas escudados nas populações. Quando as Forças Portuguesas atacavam o “peixe cobardemente escondido no meio dos machambeiros”, aos olhos do mundo eram consideradas de assassinas.

Era assim que um poeta desertor, nascido no centro do País, ao microfone de uma rádio Argelina se dirigia aos nossos jovens Patriotas. Por determinação política, aqueles militares de Elite cidadãos Patriotas responsáveis em cerimónia Solene Juraram entregar à Nação e no cumprimento do Dever, partes do corpo ou a vida em sua Defesa."
-PNSA

Nenhum comentário: